
Reprodução: Lucasfilm
Alerta: SPOILERS! Desça e leia por sua conta e risco.
Jones. Indiana Jones.
Assistir (ou reassistir) Indiana Jones e o Templo da Perdição com os olhos de hoje, 39 anos depois do lançamento do filme, pode ser um experimento bem do curioso, sobretudo ao saber o que viraram Steven Spielberg e Hollywood desde os anos 80.
A começar pela cena de abertura; Spielberg nunca escondeu seus afetos, ele sempre deixou claro sobre o que queria arrazoar e onde se inspirava. O filme abrir com uma cena musical prediz muito sobre os interesses do diretor naquela altura. Afinal, aquele Spielberg ainda ansiava em se provar e redirecionar o panorama em que julgavam o seu cinema como um escapismo vazio. Aquele Spielberg ainda viria a filmar a guerra, o Holocausto, biografias e, claro, o musical.
Em 2021, o cineasta promoveu sua versão de Amor, Sublime Amor. Aficionado pelo musical de mesmo nome da Broadway, dos anos 50, e pelo filme oscarizado de 1961, o diretor revelou na imprensa como sempre sonhou com essa refilmagem desde os 10 anos. Com Amor, Sublime Amor, vimos seu filme apaixonado, mas seu carinho pelo musical, por danças e coreografias foi sugerido em primeiro lugar num filme de ação e aventura, neste Indiana Jones.
E ainda nos primeiros minutos do filme, conseguinte ao musical, Spielberg dedicou um momento para mais um de seus apegos: James Bond. Na primeira cena de Harrison Ford, seu Indiana Jones surge sem a jaqueta de couro para vestir um certo smoking branco e se acomodar numa mesa de cassino conforme a primeira aparição do agente secreto em 007 contra o Satânico Dr. No.
A piscadela insinua o que nunca foi segredo: um dos maiores desejos de diretor sempre foi dirigir um filme da franquia. Não, ele não chegou a interpretar James Bond, mas isso não o impediu de escalar Sean Connery, o primeiro e mais insigne ator a viver o agente no cinema, como o pai de Indy, Dr. Henry Jones, em Indiana Jones e a Última Cruzada. O maior arqueólogo do mundo, inclusive, sempre foi um eco de 007. Roger Moore, que interpretou Bond por 12 anos, disse, em seu livro de memórias, que, depois de ser recusado para dirigir um filme do espião, Spielberg fez de Indiana o seu respectivo James Bond.
Mas assistir o Templo da Perdição revela mais do que apenas as paixões particulares do cineasta. Spielberg, mais que George Lucas ou William Friedkin, foi o principal edificador do blockbuster americano. Disso a maioria sabe e conhece a razão de ser. O diretor, em seus arrasa-quarteirões, vinculou a ação e a aventura ao humor. Precursor.
Veja Guardiões da Galáxia Vol. 3, Homem-Aranha: Através do Aranhaverso e The Flash, filmes populares lançados nos últimos dois meses de 2023. Ambos, sem exceção, bons ou ruins, filmes de aventura que enxergam o humor como algo inerente, que servem a demanda que Spielberg, de certa forma, ajudou a criar. Em nenhum momento quero dizer que o diretor foi quem descobriu como incorporar o humor ao cinema de massa, obviamente – Howard Hawks, por exemplo, já o fazia bem antes em seus filmes populares.
Quero dizer que, Spielberg e seus colegas (Richard Donner, Robert Zemeckis, Joe Dante) viabilizaram, nos anos 80, o que vemos mensalmente hoje nas salas de cinema e na TV, as piadas que inflacionam a narrativa em desfavor da lisura da ação. Não digo isso com uma conotação pejorativa ao Spielberg. Aprecio e me divirto com o cinema do diretor. Me incomoda a piada que existe por regra, por imposição.
Veja como são as coisas. O primeiro Indiana Jones, Os Caçadores da Arca Perdida, de 1981, misturava a aventura com a ação, e o suspense com ainda um pouco de humor. Adiante, esse segundo filme, de duas horas de duração, dedica sua primeira hora inteira ao humor para, na segunda hora, se dedicar aos socos, pulos e fugas mirabolantes para Indy salvar o dia ao som de John Williams. Durante a primeira hora brilham os achados Ke Huy Quan (vencedor do Oscar por Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo) e Kate Capshaw (casada com Spielberg desde 1991) em piadas que oscilam entre o mais infantil, como o banquete servido de cobras, olhos e macacos, o pastelão, com os aventureiros perdidos nas passagens secretas do Templo, e as insinuações sexuais entre o casal de protagonistas.
(Sei como brilha a estrela de Sean Connery, mas acho que Ford nunca esteve tão bem acompanhado nessas aventuras como aqui).
Veredito
A boa relação entre o diretor e os elenco pode ser essencial para o bom resultado de um filme, e aqui existe mais do que uma boa colaboração. Tanto Spielberg quanto os atores parecem se divertir a cada cena. O cineasta filma, elabora e concebe, mas, no fundo, recria. Spielberg dirige a cena da perseguição de carrinhos de mineração como uma criança brinca com seus bonecos. Porque o humor e a diversão, aqui, não apenas servem a uma demanda, mas são advindas e pertencentes ao autor.
9/10.