
Reprodução: Universal Pictures
Aviso: Crítica sem spoilers!
O triunfo e a tragédia de uma mente brilhante.
Oppenheimer já foi lançado nos cinemas de todo o mundo, e vem surpreendendo o público por sua abordagem densa e reflexiva. Isso era de se esperar, visto os últimos projetos do diretor Christopher Nolan (Batman: O Cavaleiro das Trevas e Interstellar). Ser o pai da bomba atômica, talvez, não tenha sido fácil para J. Robert Oppenheimer, pois seria lembrado pela maior arma já criada pela humanidade. O físico teórico, no entanto, embora não tivesse uma vida fácil após o lançar das bombas no Japão, se manteve convicto de que cometeu um grande erro. E isso é justamente explorado no ambicioso projeto de um dos grandes nomes de Hollywood.
É preciso voltar há alguns anos, quando, em 2020, Nolan “brigou” com a Warner Bros e rompeu seu contrato de anos com o estúdio. A decisão se deu após os lançamentos de filmes no cinema e na HBO Max, respectivamente, algo que o cineasta detestou. Em seguida, ele fechou contrato com a Universal Pictures, que produziu Oppenheimer, anteriormente descrito como “longa-metragem que explora a criação da maior arma do mundo”. O resultado: a Universal garantiu um novo cineasta para alavancar ainda mais projetos importantes no estúdio.
A trama da obra segue J. Robert Oppenheimer, o físico teórico que integrou o Projeto Manhattan para os Estados Unidos. O projeto consistia em criar uma bomba nuclear capaz de parar o nazismo, após rumores de que também estariam criando uma bomba. Portanto, os EUA investiu pesado em uma ideia que poderia ou não dar certo, unindo os melhores cientistas que estavam disponíveis e militares no auxílio, criando uma cidade no meio do ano.
Nolan se inspirou no livro “Oppenheimer: O triunfo e a tragédia do Prometeu Americano” para criar uma versão impactante. Por si só, a proposta já é controversa, pois parece vangloriar um país que fez uma bomba que matou milhares de inocentes. No entanto, esse argumento é para a pessoa que tem um pré-conceito diante do cineasta, e nem sequer tem interesse de assistir o filme. A execução é bastante diferente. O público vê na perspectiva do protagonista, interpretado por Cillian Murphy, e do segundo protagonista, Lewis Strauss, vivido por Robert Downey Jr. Também, há a perspectiva geral, que envolve o próprio país, mergulhado em uma ira capitalista e o medo do avanço soviético, com o tema político sendo forte e presente na obra – muito forte mesmo.
O roteiro foi totalmente construído em primeira pessoa, algo que nem sempre e tão comum, como é o caso de filmes que usam o artifício do plano-sequência, como 1917. Oppenheimer tem um roteiro denso, e isso fica claro desde o primeiro ato. Este script modelado pelo cineasta, que por sinal, escreveu pensando no que o ser humano sentiu na época, ainda usa do elemento de cenas em preto e branco e coloridas para integrar a narrativa. Talvez pareça ser difícil de entender para quem não está acostumado com o cineasta, mas a profundidade das cenas é facilmente de ser denotada. As cenas em preto e branco dão a perspectiva de Strauss, corroborando com o fato de uma “derrota amarga”, enquanto as cenas coloridas são dos olhos de Oppenheimer, mostrando uma “conquista sangrenta, mas eficaz”.
A escolha do estilo artístico, além de narrativo, é simbólico para o cineasta, que utiliza muito bem a identidade visual e paleta de cores para moldar cenas destrutivas, pacíficas e dramáticas. Essas cenas ainda se encaixam nas três frentes estabelecidas pelo filme, com Oppenheimer antes, durante e depois da criação da bomba atômica, com uso de flashbackas e flashforwards para situar a história. Essa linha temporal não é tão simples de decifrar, justamente um dos pecados do longa. As sequências variam da serenidade, ao nervosismo e arrependimento, três tópicos fomentados e muito bem explorados pelo diretor.
São três horas de duração de tirar o fôlego, deixando o espectador preso na tela, com olhos vidrados sem querer perder nenhum detalhe. A historicidade da obra não é tão questionável, visando que o diretor demonstra imparcialidade em retratar um personagem histórico que é herói e vilão ao mesmo tempo. Por ser longo, a ideia é de que seja cansativo, mas não deixa nada entediante como o miolo de Vingadores: Ultimato, ou boa parte da Liga da Justiça de Zack Snyder. Aqui, as três horas funcionam de forma rápida, pois a proposta do filme requer um tempo longo, para um desenvolvimento firme e coerente.
Da história ao elenco, Oppenheimer é uma aula de cinematografia. Murphy é uma escolha e tanto, assim como Downey Jr, e não é exagero dizer que eles são nomes cotados para a temporada de premiações em 2024. Emily Blunt, Florence Pugh e Matt Damon também brilham – mais Damon e Blunt, pois possuem papéis mais esticados na tela. Os demais nomes, como Gary Oldman como Harry Truman, Josh Peck, Casey Affleck, Jack Quaid, Tom Conti como Albert Einstein… um elenco gigante, que serve como uma ótima base para o filme, embora muitos deles tenham um tempo limitado de tela. Por ter o maior elenco do ano até o momento, com nomes de peso em um só filme, Oppenheimer não utiliza todo o potencial dele, e desperdiça importantes peças em aparições curtas.
Claramente, Murphy e Downey Jr conquistam muito espaço aqui e dominam as ações com diálogos imponentes e importantes. Ambos saem de sua zona de conforto, e conseguem ter seus melhores desempenhos na carreira. Isso vem de encontro com o roteiro em primeira pessoa, e os elementos da narrativa em dividir o filme em dois personagens.
Se o roteiro e elenco são bons, não era de se esperar menos dos detalhes técnicos, algo que o cineasta entende muito bem e garimpa isso de forma fácil. Os efeitos visuais são notórios, com as camadas de energia estando logo no primeira take. O que surpreende é o efeito prático para recriar o Teste Trinity, que marcou a primeira bomba atômica lançada em solo nos Estados Unidos. É corajoso da parte do cineasta, que já explodiu um tremendo avião em Tenet em nome do realismo. Isso torna Nolan um dos nomes mais especiais e incomuns do cinema americano.
Tecnicamente brilhante, a melhor parte do filme não está no roteiro ou nos efeitos práticos, mas, sim, em sua mixagem de som e trilha sonora. Composta por Ludwig Goransson, dado a ocupação de Hans Zimmer com outros projetos, as faixas sonoras de Oppenheimer assustam. Não dão medo pelo fato de serem aterrorizantes, mas porque aquela maldade, a construção da bomba, a corrida contra o socialismo e nazismo, e a Segunda Guerra Mundial, realmente aconteceram da forma contada nos livros. Era o mal contra o bem como nos quadrinhos de heróis.
O som é uma miscigenação de emoções, drama, pavor, e tudo o que há para ser usado em nome do cinema. Há momentos em que a crescente música entra em consonância com um trem em movimento, ou com a conexão de batidas de pés contra uma superfície como madeira. O uso da trilha em momentos dramáticos soa como Dunkirk ou Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, que cresce quando é preciso e silencia em oportunidades únicas. É um forte concorrente para o Oscar de 2024, e merece muito uma vitória.
Em suma, Oppenheimer é o filme mais ousado de Nolan em sua carreira desde Interstellar. Tão memorável, objetivo e polêmico, o novo longa explora um lado mais supremo do diretor, que consegue mostrar ao público sua imparcialidade, apreço e voracidade em um projeto gigante.
Veredito
Oppenheimer é um filme ambicioso e objetivo de Christopher Nolan, que utiliza de artifícios históricos para criar uma identidade única e autêntica. Com um elenco de peso, efeitos visuais precisos e uma trilha sonora brutal, o novo longa-metragem marca o projeto mais ousado e pragmático de Nolan desde Interstellar.
10/10.