Crítica: The Batman (2022)

Aviso: Crítica sem spoilers!


O Cavaleiro das Trevas retorna triunfante ao cinema.


Após quase 10 anos sem um filme solo, o Batman está de volta ao cinema, com The Batman estreando oficialmente hoje (3) no Brasil. A Warner Bros. e a DC Films tiveram a missão de resgatar o personagem muito celebrado pela cultura geek, dando um universo inteiro para Matt Reeves. O sucesso da trilogia Cavaleiro das Trevas, e também de Batman de Ben Affleck, construíram terreno para um novo filme solo do herói, com Reeves na direção de Robert Pattinson no papel. Depois de tantas versões no cinema e séries, esta nova, em específico, se sobressai em trazer o clima soturno do vigilante taciturno chamado de Batman.

Primeiramente, é necessário introduzir o filme, e se não fosse pela desistência de Affleck, não teríamos visto Pattinson em ação. Ao assumir o projeto em 2019, Reeves escolheu o ator britânico de O Farol para viver o Batman. A Warner aprovou a escolha, e num título simples e não buscando o status quo de impacto como Christopher Nolan em sua trilogia, o cineasta desenvolveu seu projeto. Engana-se quem pensa que The Batman ou apenas Batman não seja um título impactante. Por tudo que o herói é e significa, este título é referenciado pelo próprio. Mas, o impacto está em todo o clima construído, que envolto na soturnidade, faz o longa-metragem ameaçar com um noir detetivesco, rebuscado em outras adaptações nos quadrinhos, jogos e filmes. E esta ameaça é em todo o tempo decorrido de 2 horas e 55 minutos, fazendo este ser o mais longo projeto – e ambicioso – do Cruzado Encapuzado.

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THE BATMAN, Robert Pattinson é Bruce Wayne / Batman, 2021. © Warner Bros. 

“Medo” é o que pode definir toda a sensação. A narração de Bruce Wayne nos primeiros minutos, definem o que o Batman significa para os criminosos, e não apenas eles, mas toda a população. Não como o Superman, um fio de esperança, ou a Mulher-Maravilha, um farol para o mundo. Batman é totalmente o oposto. É a própria sombra e o medo, atuando na escuridão de uma cidade afundada na corrupção e controlada pelos mafiosos. Fundamentando-se no que há de melhor na mitologia do Detetive, Reeves incrementa tudo o que lhe é possível e disponível, junto do co-roteirista Peter Craig.

Em seu segundo ano atuando como o vigilante de Gotham, Bruce (Pattinson) é o homem mais recluso da cidade, abstendo-se apenas para eventos de extrema importância. Bem como Batman, o tenente James Gordon (Jeffrey Wright) não é nenhum veterano, e nem viu o que Gotham pode oferecer num todo. Só que, com a parceria entre os dois crescendo, há espaço para uma aberração igualmente o Zodíaco, e que se intitula como Charada (Paul Dano). Com joguinhos e charadas, o vilão é um serial killer que aterroriza os mais corruptos da cidade, que a deixaram apodrecendo e mentindo para a população. E isso nem tanto condiz com o que ele é nos quadrinhos, um enigmático inimigo que tenta provar que é superior intelectualmente do que o Batman.

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Ainda mais interessante de ver o Batman novamente, é vê-lo crescendo como herói. Não num todo, e sim dentro da proposta do filme, que faz este protagonista ser uma peça fundamental, mas não o centro. Expor o sistema corrupto era o que Charada queria, e facilmente, o fez. O vilão que é alvo de raiva nos jogos Arkham, é agora, o mais bem representado nos filmes de heróis nos últimos anos. Tudo bem que Coringa de Joaquin Phoenix mostre um homem abatido psicologicamente, em uma Gotham fraquejada pela política. Mas, não há herói e vilão em Coringa, mas há em The Batman. Assim como o anárquico Coringa de Heath Ledger, o revolucionário Bane em O Cavaleiro das Trevas Ressurge, e o justo e imparcial Duas-Caras, o Charada se mescla nos três e prova que sua personalidade não é tão errônea para seu pequeno grupo. Há uma crítica social para a corrupção, mas de uma forma odiosa, baseando-se em assassinatos e caos.

Desejado por muitos fãs, a versão do Batman de Reeves e Pattinson é marcante. O método que Nolan usou o realismo foi, em contrapartida, o ponto fraco, por ser muito mais realista do que o necessário e esquecer de boas cenas de luta. Já o Batman de Snyder é fantasioso, assim como o de Tim Burton e outros, mas que possuem cenas de ação tão boas parecendo um game. E Reeves sabia que os fãs queriam isso. Um filme que pareça um jogo, ou melhor, que seja ao mesmo tempo vários jogos e quadrinhos. É como se o diretor colocasse os jogos da Telltale do Batman e Saga Arkham, e HQs como Batman: Ego e O Longo Dia das Bruxas, misturasse e incrementasse a sua visão. Não uma visão fantasiosa, mas urbana e realista, tomando como base o bruto dos jogos. E por sua vez, o bruto é simplificado, moído e misturado, em um personagem incansável em seguir pistas, lutar e tentar criar alianças, as quais pensou que não poderia. Com a Mulher-Gato (Zoe Kravitz) é uma delas, e não tratando como uma ladra comum, mas alguém disposta a ajudar.

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Gotham é muito maior que Bruce, e ele sabe disso. Ao escolher ser o Batman, corre o risco de morrer toda noite, ou também de perder Alfred (Andy Serkis) caso sua identidade seja descoberta. O método utilizado pelo cineasta entre a dinâmica de Alfred e Bruce, é totalmente diferente. Não temos um pai de criação e filho, mas um homem recluso contra um homem que serviu o exército britânico. Mesmo que haja amor ou respeito entre os dois, dificilmente se permitem a isso, como Batman permite o maior respeito com Gordon. E a reputação, tanto de Wayne como de Batman começa a mudar. Carmine Falcone (John Turturro) é o puro suco de O Longo Dia das Bruxas, assim como Alfred e Pinguim (Colin Farrell) são de Terra Um. Desde sempre, Falcone dá às cartas, e tem Oswald Cobblepot como braço direito. Não é nenhuma loucura dizer que The Batman, ou melhor, estes dois mafiosos são bem inspirados em Vito Corleone de O Poderoso Chefão, e Tony Montana de Scarface.

É um mérito total a escolha de elenco trazida por Lucy Bevan e Cindy Tolan, aprovados por Reeves e o estúdio. Cada ator possui um trabalho assertivo, a partir do bom roteiro do cineasta e Craig, que desenvolvem o protagonista, seus coadjuvantes e antagonistas. Pattinson foi uma escolha contestada na época, mas que mostra ser o Batman perfeito que todos queriam ver, mostrando o lado mais sombrio possível de um homem que não esconde quem é quando é apenas Bruce Wayne. Kravitz também brilha como Mulher-Gato, dando um pouco mais de emoção em seu papel. Além disso, há o irreconhecível Farrell como Pinguim, caracterizado de uma forma mais real possível, e mesmo Paul Dano, encarnando um Charada ao estilo Zodíaco. Mesmo usando a máscara, há momentos em que o ator está sem, e fortemente usa o teor psicótico do vilão para assustar o próprio Batman. Wright e Turturro como Gordon e Falcone foram escolhas ótimas e óbvias, e Andy Serkis, apesar de aparecer pouco, deixa os fãs um pouco satisfeitos com sua versão de Alfred. Não é memorável como Michael Caine, mas sua presença serve para humanizar o Cavaleiro das Trevas. São performances brilhantes, uma mais que a outra. 

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Ainda que não seja uma história de origem – ainda bem -, Bruce sofre com as inquietudes em sua casa após perder seus pais. Mesmo que seja o Batman há dois anos, o crime apenas aumentou, graças a presença de tal. Ele nem sempre tenta equilibrar a vida de Bruce ou vigilante, e se mostra tentado a trabalhar horas e horas em suas investigações, negando ser um bilionário. Toda a história é para mostrar a corrupção assolando Gotham. Como sempre foi e sempre será, desde os quadrinhos até mesmo os jogos. E é para isso que o Charada server, expor todas as mentiras, mostrar o que o povo precisa, e tentar fazer com que ele esteja ao seu lado. Ou, melhor, os poderosos merecem enriquecer às custas do povo? Esta é a mensagem que o vilão traz.

Esteticamente e tecnicamente, é inegável dizer que The Batman não é o filme mais bonito do Homem-Morcego desde os lindos pôsteres de O Cavaleiro das Trevas. Greig Fraser não tem medo algum de casar suas cores com a temática noir, sendo uma escuridão completa, cores vibrantes, ou mesmo o pôr do sol em Gotham, e Batman no horizonte. Ele não se importa em mostrar o Batman lutando na boate com luzes vermelhas pulsantes, ou uma Gotham sempre com sua chuva torrencial e visual neon, um pouco como nas cinematics iniciais de Arkham Knight. Esta cinematografia intensa é moldada pelo diretor, que ainda traz Michael Giacchino na trilha sonora, mixando a tensão e o pressentimento. Os passos no escuro, os tiros, a capa, a silhueta… Magistralmente, o compositor une o tema emocional com algo apavorante, na tentativa transpassar o medo apenas pelo som. Vale dizer que os efeitos especiais também se fazem presentes, claro, e há um bom uso e nada exagerado. 

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O que torna este filme um atrativo, é como ele trabalha bem o lado detetive do herói, e molda a história e o legado de uma cidade. Os dois primeiros atos parecem ter saído de um quadrinho, com o terceiro sendo totalmente um game. Não satisfeito, o diretor implementa pequenas referências em cenas importantes para a trama. E este Batman traz todo um aparato, com sua armadura e suas botas cintilantes, e sua ação massiva, com golpes que você pode sentir. No entanto, dois atos são construídos de uma forma espetacular, em um filme que se alonga, mas não é errôneo seu tempo de duração. Há arcos deixados em aberto, e que poderiam ser finalizados com algum cuidado; mas esta é a estratégia de Reeves, instigar o espectador a ver uma sequência, ou as séries derivadas na HBO Max. E ele faz isso muito bem, deixando questões a serem fechadas numa sequência que já é muito aguardada.

Mesmo que o terceiro ato não seja perfeito como os dois anteriores, possui o seu valor, engajando uma execução formidável do diretor. A aposta maior na última meia hora de filme são nas cenas de ação, e mostrar que o vigilante ainda está aprendendo a ser necessário. Todo o efeito que os arcos anteriores causam no personagem, são sentidos nos minutos finais da obra. Perdas, alvoroço, medo, tensão. A intensidade com que Reeves e Craig constroem a história, são tão mais intensas do que as lutas de Batman contra uma gangue. E em nenhum minuto, o filme fica saturado e cansativo, a ponto de segurar o espectador na cadeira para saber todo o progresso deste herói.

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Ainda assim, com passadas curtas, mas que parecem ser largas, The Batman tem um desenvolvimento hábil de seus personagens e Gotham. Você possui o passado de uma cidade afundada em mentiras e subornos, e personagens totalmente ligados a isso. Uma vez que mostrado o vigilante em ação, o filme não precisa dar voltas para explicar quem é Batman ou Bruce Wayne, e nem é preciso, todos já sabem. A história é sobre Gotham, e agora, caberá ao diretor e envolvidos mostrar a riqueza deste universo que já está planejado. 


Veredito

The Batman é quase um suprassumo dos filmes do herói no cinema, estabelecendo uma história intensa e excepcional. Desde a escolha de elenco e diretor, até o diretor de fotografia e o compositor é um acerto. Uma trama coerente, para um personagem gigante. A direção competente de Matt Reeves, além de Robert Pattinson genuinamente assustador como Batman, mostram tudo o que os fãs gostariam de ver: um detetive num estilo noir, e que é a própria escuridão. Aqui, temos um personagem conhecendo a si mesmo, em uma jornada do herói como assim o fez em O Cavaleiro das Trevas. Se a luz do céu é um aviso, Batman já tornou-se um símbolo para esta cidade. É uma visão violenta, sombria e emocionante do cineasta, que consegue manter suas inspirações no filme mais bonito já visto do Cavaleiro das Trevas.

9/10.

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Gabriel Rodrigues Silveira http://critical-room.com/

Navego pelas águas misteriosas deste belo mundo do cinema, e procuro estabelecer todo o conteúdo possível, e mostrar os gostos de um jovem jornalista aspirante a cinéfilo. Mas, se perder a confiança em mim, confie nos outros integrantes do site.

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